Alimentação Infantil,  Maternidade,  Quarentena e COVID-19

Quarentena: falta de tempo para dedicar a refeições saudáveis

No início do isolamento social no Brasil, fiz uma live com o Dr. Rafael Reinehr falando sobre saúde e imunidade na quarentena. Era apenas o começo, mas já estávamos falando nas pessoas que se viram desempenhando múltiplos papéis dentro de casa, sem separação de tempo e espaço, e começaram a sentir dificuldades em manter os níveis ideais de alimentação que mantinham antes.

É o caso de muitas mães, que de repente se viram precisando exercer todos os seus papéis simultaneamente: as tarefas da casa, o trabalho à distância, preparar 3 refeições e lanches para a família, lavar e passar as roupas, ser a professora dos filhos, gerenciar as atividades das crianças dentro de uma rotina drasticamente diferente, higienizar compras, gerenciar as próprias emoções e as dos filhos, cuidar de algum idoso da família, manter-se atualizada sobre a pandemia – tudo ao mesmo tempo agora!!

Não são só as mães, claro, mas penso que este cenário nos seja particularmente desafiador.

Eu mesma: coach de saúde, vegana, habituada a preparar nossas refeições diariamente, com muita destreza no preparo e extenso cardápio de receitas mentais, em muitos momentos me peguei no auge do meio dia, sem ter tido tempo para sequer pensar no cardápio do almoço, quanto mais prepará-lo. Uma sensação de estar em uma esteira de academia, correndo, correndo e não saindo do lugar.

Como manter uma alimentação saudável está lá em cima na minha escala de valores, a sensação de não conseguir manter o mesmo nível de refeições de antes da pandemia, virou um problema para mim. “Isso é inegociável”, pensei – principalmente neste momento em que nosso estado imunológico é tão crucial.

No entanto, a realidade do isolamento de quem tem filhos e carrega nas costas todas as responsabilidades, é que quase tudo é prioridade. Manter a casa limpa é prioridade, a educação é prioridade, o descanso, o sono, higienizar compras, trabalhar, alimentar os filhos… não dá para escolher duas e deixar o resto pra “quando, e se, der”.

Configura-se o impasse. Meu primeiro movimento foi o de buscar atendimento especializado para prescrição de suplementos, especialmente a vitamina D que, além de estar diretamente ligada à capacidade imunológica, era já uma deficiência estabelecida que eu tinha, a suplementação estava em dose completamente inadequada e precisava ser corrigida. No isolamento social, nossa exposição ao sol cai drasticamente, então até mesmo pessoas com níveis normais de vitamina D deveriam suplementar neste contexto atual. Isso é importante, porque níveis baixos dessa vitamina no corpo interferem negativamente de várias forma e um dos sintomas mais comuns dessa insuficiência é pronunciada falta de energia, fadiga e até mesmo sintomas similares ao da depressão. Neste cenário de isolamento social e convergência de papéis e responsabilidades em um único espaço, se tem uma coisa que não pode faltar é energia.

Mas não só a vitamina D – também outros nutrientes importantes que pudessem ficar deficitários, tanto para mim quanto para o meu filho. Marquei uma consulta online com uma nutróloga e isso resolveu a preocupação inicial.

No entanto, suplementos não são substitutos de alimentação saudável – de nada adianta tomar suplementos e almoçar salgadinhos fritos e jantar salsicha no pão. Então, como tornar as refeições o mais saudáveis possíveis, na ausência de tempo para execução de 3 refeições diárias completas?

Entra em cena o planejamento. Não, não um planejamento complexo de cardápio, receitas e compras, mas sim de estratégias. A conclusão a que cheguei foi que a palavra de ordem era “simplificar“.

O que significa simplificar?

Significa colher o máximo resultado aceitável e possível com o menor investimento de esforço e tempo. E como fazer isso?

1. Pé no chão:

Primeiramente, colocando em perspectiva as expectativas. As receitas elaboradas de antes vão ter que ficar para um outro momento. Senti meu “finesse culinário” esvair pelos dedos logo nas primeiras duas semanas e a realidade me forçar a encontrar alternativas. Pratos simples podem ser suficientemente nutritivos. “Até o sanduíche-iche pode ter valor nutri-nutritivo adequado” (lembram da Ruth Lemos?)

2. Otimização do tempo

Utilizar os momentos mais propícios (de tempo e energia) para cozinhar quantidades maiores de alimentos que possam ser congelados. Vai cozinhar feijão? Cozinhe o dobro. Congele metade. Pique um monte de legumes, cozinhe e congele. Pudim de chia, sopa, ensopado, caldo caseiro de legumes, torta, bolo, panqueca, bolinhas energéticas, frutas para vitaminas… congele o que couber no freezer. Assim, naqueles dias em que você se pegar no auge do meio dia sem nem ter pensado ainda no almoço, ele já estará pronto ou precisará apenas de um reforço de preparo rápido para ficar completo. Esta tem sido minha estratégia mais eficaz até o momento e me serviu de alívio inúmeras vezes. Até arroz integral cozido eu congelei – e me surpreendi com a textura depois de descongelado, não muito diferente do arroz fresco.

Outra estratégia que também tenho utilizado é picar legumes e conservar em água com sal em potes fechados na geladeira. Elimina uma etapa significativa do preparo de vários pratos.

3. Refeições nutritivas de preparo simples

Sanduíches: nos salvam nos dias mais caóticos. Duas fatias de pão integral, um monte de salada no meio (alface, tomate, rúcula, pepino, azeitonas, abobrinha grelhada em 1 minuto, o que você gostar), espalha aquelas duas colheres bem servidas de homus (que você já preparou no dia em que cozinhou), pedacinhos de abacate, polvilha com gergelim e essa refeição está resolvida. Pode também ser feito em forma de Wrap ou tacos.

Prato de legumes: o mesmo conceito do prato de frutas, mas com legumes. Couve flor, brócolis, abobrinha, abóbora, vagem – o que estiver mais à mão -, coloque tudo junto no vapor por 10 minutos, transfira para o prato e sirva com sal e limão, acompanhado de algum molho ou pastas nutritivas (falamos deles abaixo).

Pastas nutritivas: note que o homus já apareceu duas vezes aqui – e não é por acaso. As pastas são muito versáteis e dentro dela você joga o que quiser: grão de bico, feijão branco, ervilha, tofu, legumes, folhas verdes, tahini, alho, cebola, levedura nutricional, etc. Concentra uma grande variedade de nutrientes em um prato único de preparo fácil e rápido: é so bater tudo no processador. Para acompanhar, torradas ou palitos integrais, vegetais frescos, tortilhas, etc. Adicionando água ou leite vegetal, isso vira um molho para saladas, macarrão, etc. Esta é uma ótima estratégia para aumentar o valor nutritivo das refeições infantis.

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Sopas: junta aquela variedade de vegetais pela metade na geladeira, joga na panela com água, sal, cebola e alho, um caldo de legumes caseiro, temperos, quinoa ou arroz integral e, em 15 minutos a refeição está pronta. Bata no processador para sopas cremosas. Se sobrar, congele.

Saladas: aquela salada bem completa!! Com folhas, legumes, oleaginosas, sementes, leguminosas e um molho reforçado – que você também pode ter pensado em fazer no dia em que cozinhou. Tabule de quinoa é uma ótima opção: a quinoa cozinha rápido, pode ser congelada, e você mistura com tomate, pepino e cenoura picados, tempera com azeite, limão, sal e hortelã.

Vitaminas: também caprichadas, com aquelas frutas que você congelou (ou polpa de frutas que comprou), base de água, água de côco, chá ou leite vegetal, uma colher de pasta de amendoim, amêndoas ou castanha de caju para dar mais saciedade, folhas verdes, duas tâmaras se quiser adoçar e deixe o liquidificador fazer sua mágica. Resolvido o café da manhã e o lanche.

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Beterraba, cenoura, manga e cupuaçu. Saúde!!

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Sucos: mesmo princípio das vitaminas, mas com foco maior em hidratação nutritiva. Use e abuse dos sucos verdes e vegetais em geral.

Comidas de forno: batatas comuns ou doces assadas, que você recheia com o que tiver à mão. Chips de couve, que além de ótima fonte de ferro, são deliciosas. Tortas de liquidificador com legumes. Quibes veganos, que você também pode congelar.

Massas: o macarrão é tradição de domingo não é por acaso: cozinha rápido, não dá muito trabalho e sobra menos louça para lavar. Para essas situações, é interessante já ter no congelador um molho bem nutritivo, de acordo com a sua preferência. Eu costumo bater o molho de tomate com vegetais e grão de bico. A lentilha (sem bater) adicionada ao molho também acrescenta textura deliciosa e proteínas.

Entre as refeições:

Pratos de frutas: o coringa do lanche da tarde. Não dá pra ficar mais fácil: escolha 3-4 frutas, pique e sirva. Mais ou menos assim:

Bandeija de Finger food: mamães, deixem uma dessas à mão para as crianças (e você) irem beliscando quando a fome bater e não houver nenhuma condição de parar para fazer nada.

Frescas e infusões: resolve dois problemas e uma única solução. Frescas são feitas adicionando-se frutas (ou até mesmo legumes e ervas) em pedacos ou batidas à agua, com ou sem gás. Infusões são feitas com ervas, frutas e especiarias deixadas na água por algumas horas. Ambas adicionam nutrição à água e ajudam a manter a hidratação. Frescas ficam boas com abacaxi e hortelã, melancia ou melão com pepino, blueberries ou morangos, uvas congeladas ou frescas, etc. As infusões costumam levar gengibre, hortelã, salsinha, manjericão, canela, limão, laranja, mixirica, etc.

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Pipoca: é um alimento integral, que todo mundo adora, e se você misturar com nozes, castanhas e frutas secas – ou adicionar levedura nutricional – eleva o valor nutritivo deste lanche de forma simples e rápida.

Pudim de chia: pode ser feito em grandes quantidades, guardado na geladeira ou congelado. Serve bem no café da manhã e nos lanches entre as refeições. Faça com leite vegetal, acrescente frutas, castanhas, nozes, sementes, cacau, o que preferir. Pegue algumas idéia aqui e aqui.

Purês de frutas: também podem ser feitos em maiores quantidades, com frutas frescas ou cozidas, guardados na geladeira e congelados. Um snack docinho e sem açúcar refinado para as crianças, são de fácil preparo. Para o purê de maçã ou pêra, basta picar com casca mesmo, cozinhar no vapor por alguns minutos para amolecer e passar no processador, adicionando um pouquinho de limão. Lembrando que a vitamina C se perde nesse processo, mas outras vitaminas, minerais e fibras são preservados. Para o purê de manga, basta bater a fruta fresca. Abacate batido também é sempre bem vindo, mas evite o açúcar refinado no preparo. Em substituição, você pode utilizar tâmaras, melado de cana ou uma banana.

Banana amassada: turbine com toppings saudáveis, que acrescentem fibras e nutrientes, tais como chia e linhaça, côco ralado, nozes e castanhas, aveia e pedaços de outras frutas. Lanche fantástico para as crianças, não precisa acrescentar açúcar e tem bom poder de saciedade.

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Se tudo o mais falhar…

Mesmo com a melhor das intenções e tentativas de planejamento, há aqueles dias em que realmente você está sem tempo, exausta e sem opções no congelador. Para estas horas, faça o melhor que der, dentro do possível, sem muito stress. Porque sistema imunológico também é afetado pelo estado emocional.

Outro problema que se tem feito presente na minha rotina é a fadiga de decisão. São tantas as decisões que precisam ser tomadas, o tempo todo, que mesmo tendo desenvoltura na cozinha, ingredientes na despensa e geladeira e muitas idéias para refeições simples, o stress e a fadiga simplesmente interferem no engajamento do cérebro para juntar suficientemente as informações e transformar em uma decisão. Nessa hora, é importantíssimo entender que seu corpo está sinalizando excesso de stress, então escute – atentamente. Pare para para respirar e relaxar por alguns minutos, coordene o resto do dia priorizando só o que realmente não pode deixar de ser feito e, de forma geral, não subestime a necessidade de ter tempo para você cuidar de você!! No formato que melhor lhe servir. Seja uma mini maratona de Netflix, um banho longo e relaxante, uma conversa com amigas por câmera, leitura, escrita, desenho… Procure, dentro do possível, manter consistência diária no seu cuidado individual, porque se você é a engrenagem que mantém todo o resto funcionando, não pode pifar.

Houve noites, por ememplo, em que eu e meu filho jantamos um farto mingau de aveia com frutas e castanhas e, embora não seja meu tipo de jantar ideal, não deixou de ser nutritivo e saboroso – até mesmo aconchegante.

Até para industrializados eu apelei algumas vezes: futuro burger com salada, no meio do pão integral. É ideal? Certamente não. Mas é uma refeição muito esporádica e se, no geral, você vem se alimentando bem, não será essa refeição que irá fazer sua saúde desmoronar. Só não pode virar rotina.

O isolamento social é desafiador de muitas formas, nossas vidas entraram da noite para o dia em uma rotina , em um formato e um contexto sem precedentes. Fazer adaptações torna-se uma necessidade.

Mas espero que as dicas acima te ajudem de alguma forma. Eu pessoalmente não tenho conseguido manter as refeições 100% saudáveis 100% do tempo, mas a estruturação mental de tudo o que expus neste artigo, tem em muito ajudado a manter consistência satisfatória.

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