Alimento para a mente
Filha, vem ver!! Vem aqui sentir o perfume desse melão que eu acabei de abrir. Olha que coisa fantástica, a natureza é mesmo perfeita”.
Frases como esta eram cotidianas, principalmente perto do horário de almoço aos sábados quando, depois de madrugar no Ceasa meu pai voltava para casa com caixas de frutas, verduras e legumes para abastecer a casa e cortava algumas delas para comermos, enquanto contava suas histórias da feira.
Mas conta a lenda familiar, que nem sempre havia sido assim. Que quando mais jovem, meu pai não sabia comer frutas e legumes e que, por influência dos hábitos da minha mãe, passou não só a comer, mas também a adorar.
Ele era um homem expressivo, cujas palavras vinham sempre acompanhadas de muitas gesticulações e hipérboles faciais. Também apreciador da boa escrita – ele próprio, excelente escritor – muitas vezes fazia recados do dia a dia parecerem comunicados oficiais, histórias cotidianas parecerem contos de ficção – e a natureza, a fauna e a flora eram descritas em tons quase poéticos.
Esta peculiaridade da personalidade dele me transmitiu uma forma igualmente peculiar de perceber algumas coisas através deste olhar. De repente, cortar uma fruta ao meio é uma experiência quase mágica a se apreciar – e não uma ação mecânica automática. Não deixa de ser um exercício de mindfulness, muito embora talvez isso nem lhe passasse pela cabeça.
Enquanto isso, minha mãe exaltava à sua maneira os cuidados com a alimentação. Não éramos uma família habituada a comer frituras ou tomar refrigerantes, nunca usou muita gordura ou óleos na comida e, à frente dos nosso hábitos alimentares, incentivava o consumo diário de tudo o que sabia ser saudável. Ela não moldou só os hábitos alimentares do meu pai – mas o das filhas também. De lá pra cá, a ciência nos deu informações novas, mas o que ficou foi um senso de consciência alimentar, que ela cuidou de nos incutir.
Assim, não é de surpreender que eu esteja aqui escrevendo longos “tratados” sobre alimentação saudável. Mas compreender este tema requer uma boa dose de reflexão, porque quando se fala em alimentação lidamos não só com o que é factual e científico, mas também com comportamentos, motivações, limitações, potencialidades e circunstâncias, todas esferas para as quais a intervenção bem sucedida de um coach de saúde depende de alguma abstração.
Abstração para compreender, entre outras coisas, como interpretações de ordem cognitiva influenciam a forma como nos relacionamos com tudo – inclusive com a comida.
As falas poéticas do meu pai sobre frutas, temperos e legumes, (que neste momento de texto reflexivo me faz, na verdade, perceber o humor nessa afirmação e rir sozinha) ainda que não intencionalmente, acabaram por criar em mim uma matriz cognitiva, que influenciou minha própria percepção sobre os alimentos. Não sei se partiu dele, mas ficou comigo uma afirmação, que parafraseio: “Você não sente saúde entrando no seu corpo quando come legumes e frutas?” Quando você cresce ouvindo frases que associam experiências sensoriais altamente agradáveis à sensação de saúde e bem estar, solidificar esta relação entre uma coisa e outra é inevitável.
Matriz cognitiva e hábitos alimentares
Talvez pelo hábito de consumir grandes quantidades de frutas, legumes e verduras diariamente, eu nunca tenha me dado conta de que a compra destes alimentos fosse tão frequente. Até entrarmos em isolamento social. Essa necessidade de higienizar todas as compras uma a uma, começou a me fazer espaçar os pedidos de quitanda, para lidar com essa higienização o mínimo possível. No entanto, frutas, legumes e verduras são os alimentos mais perecíveis – e também os mais consumidos na nossa casa. Assim, mesmo comprando quantidade considerável, eles acabam rapidamente demais para se encaixar no espaçamento que eu gostaria de dar entre os pedidos.
E acabo com uma de duas situações nas mãos: ou comemos menos destes alimentos diariamente, ou os consumimos normalmente e ficamos alguns dias sem eles. Em qualquer dos casos, começo rapidamente a observar uma inquietação na minha disposição. É o meu corpo desesperadamente pedindo pelos nutrientes com os quais está acostumado. É uma sensação permanente de “querer comer alguma coisa, mas não saber o que”. Que não passa. Não adianta comer pão, feijão, arroz – ainda que sejam saudáveis.
É também a hora em que aquela matriz cognitiva sonha com o perfume do melão, a mordida crocante da maçã, a textura aveludada da manga, o estourar da jaboticaba, os gominhos individuais da mixirica, a cor vibrante da pitaia com suas sementinhas gostosas de morder, o suco aromático da melancia descendo gelado pela garganta, a mordida suculenta em uma nectarina, a cremosidade aconchegante de uma sopa de abóbora quentinha com sementes estaladas no forno, a leveza incomparável de uma salada bem temperada, com folhas lisas e rebuscadas, salpicadas com vegetais coloridos contrastando com tomates cereja que estouram na boca, brócolis florindo o prato, beterraba e cenoura, cruas e raladas, com seus sabores da terra que a chuva irrigou. Notem como estas imagens mentais, exemplos reais de como me relaciono com a comida, associam diversas percepções sensoriais mas, mais do que isso, associam alimentos a significados mais complexos que dão sentido ao prazer experimentado ao comer.
Assim como a TPM feminina sonha com barras imensas de chocolate e fatias de bolo recheado de 20cm quadrados, a falta de vegetais em abundância na minha rotina alimentar produz sensações muito similares.
E por que? Por que algumas pessoas detestam frutas e legumes e outras até mesmo os preferem, em detrimento de salgados de massa branca, ou frituras? Esta pergunta é importante, porque qualquer adequação alimentar depende dessa resposta. Aqui, não falo só de hábitos, mas também de uma compreensão mais aprofundada sobre preferências de paladar.
É certo que os hábitos alimentares, especialmente os estabelecidos na infância, são fator parcialmente determinante. Construímos nossas preferências de paladar de acordo com o que nos é oferecido durante os anos formativos. Algumas pessoas, em idade já adulta, mantêm o que chamamos de “paladar infantil”, sem nunca se interessar por outros sabores. Mas em geral, conforme vamos entrando em contato com outros alimentos e pratos, alguns novos sabores que não foram parte da infância ababam sendo incorporados a estas preferências de paladar. Isso acontece muito com saladas, que muitas crianças não comem, mas adoram depois de adultas.
E às vezes, alimentos que você evitou a vida inteira, da noite para o dia e sem motivo aparente, lhe interessam. Para mim foi o caso com a cebola e o pimentão, ambos rejeitados por muitos anos mas, em dado momento, a resistência a eles se esvaiu. O mais interessante foi que o pimentão, especificamente, eu evitava não só porque não fui acostumada a comer quando criança e o sabor não me atraía, mas também porque o consumo acidental em tortas, yakissobas, ensopados, acabava por produzir desconforto gástrico. No entanto, quando a mudança de paladar aconteceu, estes desconfortos também sumiram.
Isso nos mostra que existe um fator adicional influenciando nossa preferência de paladar além do hábito alimentar. E minha teoria é que ele está diretamente associado à nossa percepção cognitiva, que pode se modificar. Isso é importante, porque, embora muito dessa construção seja subconsciente, se a trazemos para o nível consciente, podemos criar modificações intencionais.
Referências cognitivas:
Foi assistindo um vídeo da Abbey Sharp, nutricionista, avaliando um dia de alimentação do Miles Kasiri (Healthy Crazy Cool) que essa relação me ficou evidente. O Miles é um vegano inglês, também nutricionista, que disponibiliza conteúdo sobre alimentação saudável com forte ênfase nos exemplos da sua própria alimentação. Ele monta pratos de preparo simples, em sua maioria, mas de enorme riqueza nutricional, sempre muito coloridos e visualmente atraentes. É um canal que acompanho há tempos, não só pelo valor informativo, mas também pelo senso de humor que dá o tom aos vídeos e pela forma inspiradora como ele fala sobre cada prato.
E foi justo esta forma de se referir aos alimentos que a Abbey Sharp destaca como diferencial, logo no início do vídeo. E comenta que ele captura a sensualidade dos alimentos e faz coisas simples, como uma salada de batatas, parecer incrível.
Esta forma de descrever alimentos como representativos de mais do que sua existência objetiva, me remete diretamente às falas poéticas do meu pai, uma conexão que eu ainda não havia feito até assistir este vídeo específico, muito embora os pratos do Miles sempre tenham me servido de inspiração. É praticamente impossível observar a relação dele com a comida, os pratos que monta e o prazer que demonstra ao comer e não sentir o desejo por alimentos saudáveis emergir.
E aí, fica claro que a forma como definimos a comida e nos relacionamos com ela, ou seja, a nossa percepção interna sobre o que comemos, é co-fator fundamental na construção de preferências de paladar. Assim, a diferença entre dietas de curto prazo e reeducação alimentar sustentável no longo prazo, está diretamente ligada ao desenvolvimento desta programação cognitiva, que é feita através de novas referências, como vamos explicar mais abaixo.
Falando – e pensando – em comida
Talvez não nos atentemos para as mensagens que passamos quando dizemos às crianças: “precisa comer um pouco do brócolis”. Esta fala constrói uma percepção de que o brócolis está associado a uma necessidade – e não a um prazer. Talvez a criança até coma, algumas vezes. E irá, até mesmo, desenvolver paladar através do hábito. Mas não desenvolve o padrão cognitivo para perceber aquele alimento – e outros de natureza similar – como prazeirosos.
Na idade adulta, essa criança que “aprendeu” a comer brócolis, provavelmente irá continuar comendo. Mas, diante da liberdade de escolha e sem o padrão cognitivo desenvolvido, o consumo será em pequenas quantidades (porque a ensinamos que precisa comer “um pouco”) e, junto com ele, comerá também frituras, carboidratos brancos, embutidos, etc – todos alimentos de apelo gustativo maior. O legume no prato passa a mensagem de “dever cumprido”, para justificar a ingestão do que premia o paladar, que em geral não tem relação com construção de saúde.
Notem, no entanto, a diferença nesta abordagem:
Se você se senta à mesa com a criança na hora do almoço, enche o prato de alimentos saudáveis, come expressando prazer e diz algo como “Adoro brócolis!! Que delícia comer um legume gostoso que eu sei que me faz bem” (assumindo que você possa ser honesta nessa expressão), transfere para a criança a possibilidade de olhar para como ela própria se sente quando come, ao mesmo tempo que começa a criar uma associação entre alimentos saudáveis e bem estar. Isso, além de (em muito) facilitar a experimentação, é base de construção de consciência alimentar, em sua forma mais elementar, através de percepção (cognição). Porque além de permitir que a própria criança se observe e faça associações positivas com os alimentos, ainda ensina através do exemplo, que é a força mais eficaz nos ensinamentos formativos.
Esta é uma mensagem sólida e consistente, passada através de todos os canais de comunicação (verbais e não verbais), que se constrói através de atitude.
Construção de paladar infantil está associado à atitude com relação à comida de quem alimenta a criança.
Mas e o adulto? E quem cresceu sem essa construção de paladar para alimentos saudáveis e come saladas, legumes e frutas, simplesmente porque reconhece, intelectualmente, que isso seja importante, sem uma internalização de prazer ao consumí-los e consciência de auto respeito e auto cuidado associados à alimentação?
Neste caso, precisamos de uma mudança de paradigma. Este adulto precisa resignificar a comida e seu relacionamento com ela.
Compreendendo paradigmas:
Bem, a palavra “paradigma” é definida como “exemplo ou padrão a ser seguido, modelo”. Para solidificarmos suficientemente um modelo, que se estabelece como paradigma, é necessário absorver diversas mensagens que nos são transmitidas no nível consciente e inconsciente, ao longo do tempo. Conjuntos de hábitos também são formadores de paradigmas, quando ingressamos ao mundo dentro do contexto familiar, com funcionamentos já estabelecidos. Mas paradigma é uma construção de formação complexa, composta por inúmeros fatores: convenções sócio culturais, influências familiares e de círculo social, acesso à informação, escala de valores e prioridades, capacidade intelectual, vivências práticas.
Assim, mudança de paradigma pressupõe que cada um destes fatores seja questionado e revisto. E não se cria nenhuma mudança a partir da repetição dos hábitos, atitudes e exposições que criaram ou mantêm o paradigma inicial.
Na prática, para desenvolver uma visão diferente daquela que já temos, precisamos proativamente acessar outros modelos, que possam embasar com propriedade um ponto de vista diferente.
Exemplo 1:
Imagine um adulto que cresceu em uma família com hábitos alimentares nocivos, que tem em seu círculo social de maior interação pessoas ótimas, mas que não valorizam, nem priorizam, alimentação saudável. Este adulto:
- toma café da manhã na padaria da esquina, com um café e um pão francês na chapa, que não lhe fornece energia sustentável para a manhã, mas é o que ele gosta de comer;
- trabalha o dia todo, almoça na rua sem muito se preocupar com a qualidade nutricional da refeição;
- quando chega em casa, cansado, procura uma receita que seja rápida e prática, que é o que ele valoriza neste momento. Ou pede delivery, utilizando como único critério o que está com vontade de comer;
- quando faz suas compras de supermercado, prioriza alimentos de conveniência, porque sua escala de valores acomoda melhor ganhos de praticidade do que consciência alimentar;
- seu repertório culinário é restrito e assume para si que não sabe cozinhar. Isso justifica não só o preparo de refeições nutricionalmente pobres e nocivas à saúde, mas também o acesso frequente a restaurantes e deliveries quando quer comer algo que não sabe fazer. Não lhe ocorre que cozinhar é uma habilidade que pode ser desenvolvida, porque seu foco, tempo e energia estão em outras prioridades;
- no fim de semana, encontra-se com os amigos em um barzinho, onde bebem e comem batata frita com cheddar e bacon e outros salgados fritos.
Este é um adulto que, já não tendo desenvolvido consciência alimentar na infância, normaliza comportamentos alimentares prejudiciais, sem perceber seu custo a médio e longo prazo. Assim, quando em contato com seu círculo social, não questiona os comportamentos similares, porque eles em nada divergem do seu próprio paradigma. Não tendo ainda experimentado a gama de efeitos positivos de hábitos alimentares saudáveis, que possam ser comparados ao seu nível de saúde e disposição atuais (e diante de saúde aparente), não lhe ocorre que uma mudança possa sequer ser desejável – ou talvez necessária.
Exemplo 2:
Agora, pensemos em outro adulto, com um paradigma diferente: alguém com consciência alimentar (vinda ou não da infância), que também trabalha o dia todo e chega cansado em casa:
- A escolha do almoço e café da manhã deste adulto, passa por um critério que ele já exercita no dia a dia.
- Assim, ele come granola altamente nutritiva com leite vegetal, frutas e castanhas antes de sair de casa (que, além de oferecer energia sustentável para o período da manhã, leva até menos tempo do que ir à padaria).
- No almoço, junk foods não são considerados opções viáveis – se não tiver levado o almoço de casa, procura restaurantes com opções saudáveis. Quando precisa pedir delivery, utiliza os mesmos critérios.
- Mas ele prefere estruturar sua rotina para permitir planejamento de refeições. Conhecendo as necessidades do seu dia a dia corrido, ele compra folhas pré lavadas, legumes que podem ser comidos crus ou feitos no vapor em 10 minutos, ampla variedade de frutas, grãos, cereais, sementes, leguminosas, oleaginosas. Quando compra industrializados que facilitam a vida, fica atento aos ingredientes e evita ultraprocessados com conteúdo artificial.
- Então, quando chega cansado à noite em casa, já tem uma boa seleção de alimentos saudáveis à disposição, já tem um cardápio mental rico com opções de como prepará-los de forma rápida e prática, sem comprometer qualidade nutricional – e prepara tudo em dobro para poder levar parte dele para o almoço do dia seguinte.
- No fim de semana, antes do encontro com os amigos, dedica tempo a preparar e congelar alguns alimentos para facilitar a vida durante a semana. Deixa frutas, legumes e verduras higienizados e de fácil acesso.
- Como come muito bem 99% do tempo, se acontecer de chegar a um encontro com amigos e não houver opção saudável, as exceções que forem abertas não terão grande impacto na sua saúde. Mas quando pode sugerir lugares para encontros sociais, sugere aqueles com opções para todos as preferências alimentares – inclusive a sua própria.
- Para construir seu cardápio mental com abundância de opções saudáveis, rápidas e práticas, ele se informou, assistiu vídeos de receitas (e as testou).
Este segundo adulto tem uma relação completamente diferente com a comida, se comparada ao primeiro. Existe nele uma convicção solidificada de que cuidados com a saúde através da alimentação são prioritários e hoje ele adora o que come, sem experimentar sensações de restrição. Aprendeu, inclusive, a fazer versões mais saudáveis de pratos não saudáveis – a batata “frita” dele é de forno ou air fryer, as sobremesas não perdem seus atrativos por não levarem açúcar. Isso faz com que a rotina dele, como um todo, tenha características que suportem este valor. E é justo daí que ele tira motivação e inspiração para investimento de tempo, foco e energia.
É claro que estes são apenas exemplos (intencionalmente mais extremos, para melhor ilustrar o contraste entre diferentes paradigmas), que as circunstâncias de vida e familiares são diversas e que entre estes extremos as pessoas se localizam em pontos diferentes do espectro. Mas o intuito é a compreensão de que a nossa rotina e comportamentos alimentares são diretamente influenciados pela nossa percepção sobre a comida.
Modificando paradigmas:
Note que os nossos paradigmas não só são criados a partir de diversos fatores, mas também mantidos e encorajados pelas escolhas que estes paradigmas permitem.
Normalmente, nos rodeamos de pessoas, acessamos informações e vivenciamos contextos que se aproximam da nossa forma de enxergar o mundo e a vida, dos nossos valores e escala de prioridades.
Dizem que somos a média das 6 pessoas com quem mais convivemos. Assim:
- se estamos rodeados de pessoas que reforçam o prazer gustativo em detrimento da saúde, normalizamos este comportamento sem muitos questionamentos.
- Se escolhemos receitas com base em critérios que excluem valor nutricional, reforçamos os hábitos nocivos.
- Se usamos o comportamento da maioria como referencial para balizar o nosso – e se a maioria estiver errada -, perpetuamos estes erros enquanto carregamos uma confortável (porém arriscada) sensação de normalidade.
Essa é uma dinâmica que se retro alimenta: se a nossa identidade não está relacionada à prioridade com saúde, a maior parte da nossa rotina, da informação que consumimos e pessoas com as quais escolhemos conviver irão reforçar a normalização dos hábitos nocivos.
Assim, supondo que o adulto do primeiro exemplo queira mudar seus hábitos alimentares, para fazê-lo de maneira sustentável precisará encontrar novos significados em cada um destes aspectos da rotina e da sua percepção sobre o ato de se alimentar. Precisará alterar a percepção da sua própria identidade – ou seja, ao invés de se identificar como “Sou alguém que come o que dá tempo de fazer e o que acha gostoso”, para a se enxergar como: “Sou alguém que priorizo saúde e quero que minha alimentação reflita isso.”
Como podemos fazer isso?
Bem, partindo do pressuposto de que ele já tenha uma justificativa suficientemente significativa para querer a mudança (sem a qual nem podemos falar em mudança de paradigma), precisará adotar novas referências como modelo.
Uma das formas mais eficazes de se fazer isso é buscar referências em pessoas que já adotem o paradigma que se quer instalar. Buscar outras visões, que sejam dramaticamente diferentes das suas. Seja através de leitura, de conversas informais, ou de vídeos, Instagram e podcasts, abrir-se para estas informações, pontos de vista e exemplos práticos de se viver de outra forma, é um caminho repleto de potenciais insigts e inspirações.
O hábito da alimentação saudável começa com o hábito da alimentação da mente. Ou seja, escolhendo conscientemente onde colocamos nosso foco, tempo e energia.
Experimente, por exemplo, seguir regularmente canais no YouTube ou perfis de Instagram que falem sobre alimentação saudável e ofereçam receitas e idéias práticas de planejamento alimentar. Faça uma alteração de onde você coloca seu foco. E note como observar o prazer e os benefícios colhidos por outras pessoas, de repente começam a lhe inspirar mudança.
Em seguida, note como, ao abrir os olhos para outras percepções e vivências, as discrepâncias entre as rotinas e comportamentos de pessoas com paradigmas diferentes ficam cada vez mais gritantes; como as prioridades que estabelecemos definem a estruturação de cada rotina e de outros aspectos comportamentais extrapolados além da alimentação em si.
E você nota estas discrepâncias claramente quando, depois de assistir alguns vídeos mostrando alimentação saudável, abre a despensa e se depara com bolachas e salgadinhos e se pergunta “o que estou fazendo com a minha saúde?”. E na geladeira não encontra uma folha ou legume para preparar. Quando vai ao supermercado e, lembrando dos vídeos que assistiu, começa a gravitar para frutas, legumes e verduras.
Ou quando, já adotando medidas de modificação alimentar, chega a encontros sociais e encontra frituras, cachorro quente e doces e começa a sentir que aquilo não mais se alinha com você. Não é que você não goste mais daquelas comidas: mas descobriu que existe uma forma igualmente prazeirosa de se alimentar, sem comprometer seu bem estar físico e mental.
É quando essa discrepância começa a ficar clara e a lhe incomodar, que a mudança de paradigma dá mostras de estar acontecendo.
Assim, o caminho para este processo é explorar referenciais condizentes com a mudança desejada. Sair da caixa da sua formação de paladar, originalmente influenciada por contextos familiares, cultura, atitudes de rotina e interações sociais costumeiras e buscar informação para embasar novas percepções – e inspiração para o desejo inerente ao ser humano de pertencimento, que possa ajudá-lo a sentir-se parte de um grupo diferente de pessoas que prioriza a saúde, dando a si mesmo um novo referencial de identidade.
Qual a sua tribo?
Não subestime o poder dessa percepção de identidade e pertencimento. Especialmente quando a maior parte das pessoas ao seu redor não valorizar alimentação saudável. Ao nos identificarmos como pertencentes a um grupo social com valores diferentes dos nossos objetivos, podemos experimentar uma sensação de isolamento que não é produtiva.
Note que estou falando sobre “sensação de pertencimento”. Evidentemente, não estou sugerindo que você se desligue do seu círculo social – mas sim que, para não se sentir isolado durante uma mudança de paradigma, você identifique outros grupos de pessoas que lhe sirvam de referência para esta sensação de pertencimento – comunidades em redes sociais, YouTubers, etc.
Só ocorre mudança de paradigma, quando conseguimos associar uma ideologia como parte da nossa identidade, que se dá através dos nossos valores e associações. Isso é verdade não só com relação à forma como nos alimentamos, mas também no que tange ideologias políticas e religiosas e outras esferas de comportamento e opinião sociais.
Quando você observa demonstrações autênticas de prazer associadas a alimentação saudável, enxerga que esta é uma forma de viver e de enxergar a rotina que muitas pessoas vivenciam na prática – e adoram. Rodei-se de informações, exemplos e posturas positivas e permita que eles lhe inspirem transformação.
O próximo passo: ação e hábitos como consequência
E, quando isso já tiver acontecido, aí sim: é a hora do engajamento com o novo paradigma, através do desenvolvimento de novos hábitos, posturas e rotinas, que passam a refletir algo que já tem embasamento cognitivo para se manter. Caso contrário, sem mudança de percepção, estaremos falando de dietas – e não de estilo de vida. Dietas nos parecem imposições. Estilos de vida podem ser escolhas.
Isso torna a construção de novos hábitos uma consequência natural – e não uma questão de força de vontade. O prazer virá não só dos alimentos em si, mas também da satisfação de escolher estes alimentos no supermercado, de aprender novas receitas, de prepará-las, de compartilhá-las com outras pessoas. Descobrimos prazeres novos, aos quais antes éramos totalmente alheios.
Dê novo significado, inclusive, aos alimentos em si. O contato com outros paradigmas ajudam bastante neste processo. Ao invés de interpretar legumes como algo que você precisa comer, procure encontrar interpretações mais subjetivas sobre estes alimentos, que os tornem mais do que representam objetivamente.
Esteja presente com o momento da alimentação, prestando atenção nos sabores, cores, texturas, aromas, na composição do prato, na sensação de bem estar de saber que está nutrindo o corpo, que a natureza em sua sabedoria produz nutrientes que sustentam a vida.
Note também como estes novos hábitos alimentares se refletem no seu estado físico e mental. Esta será a experiência empírica a somar força à percepção cognitiva e solidificar hábitos de forma tão eficaz que, quando você, eventualmente, sair da rotina e comer algo que não seja saudável, irá se surpreender com a sensação de repulsa do corpo e da mente que irá experimentar.
Além disso, começa a acontecer uma mágica no corpo: não só tudo melhora (unhas, cabelos, pele, níveis de energia, sono, capacidade de concentração, clareza mental, sensação de bem estar), mas também seu paladar começa a se modificar:
- Alimentos que antes você comia por um senso de obrigação, começam a ser percebidos pela sua complexidade de sabor, textura e aroma.
- O sabor lhe parece diferente, porque suas papilas gustativas e receptores se desintoxicam dos excessos de sódio e processamentos que realçam sabor artificialmente.
- A nutrição que os órgãos, músculos, ossos, sangue e células agora recebem, alimenta também um mecanismo interno que faz com que o corpo peça mais destes alimentos.
- Você começa a querer e gostar de comer alimentos saudáveis – nessa hora, tanto a construção de adaptação física quanto o acesso à nova matriz cognitiva estão completos.
Isso irá beneficiar não só a sua saúde, mas também a saúde da sua família, especialmente se você tem filhos e quer dar a eles a oportunidade de estabelecer bons hábitos e consciência alimentar desde cedo, para que o paradigma inicial já seja suficiente para a vida adulta saudável. Através do seu exemplo, você passa a inspirar, inclusive, outras pessoas, como seu círculo social, familiar extendido, colegas. Este tipo de postura pode ser contagiante.
Conclusão:
Mente e corpo não são dissociados. Um acompanha o outro. Até mesmo terapias cognitivo comportamentais, que focam em modificações diretamente no comportamento (hábito), o fazem para moldar o funcionamento cognitivo.
Antes de tentar dietas, que são atitudes superficiais com embasamento em força de vontade, busque compreender sua relação com a comida, seus paradigmas, como eles influenciam seus hábitos e escolhas e como você pode redefinir estes conceitos para favorecer sua saúde de forma sustentável e permanente.
Deixo a vocês o vídeo abaixo do Miles (Healthy Crazy Cool) que, embora não necessariamente tão representativo de suas próprias refeições diárias, inclui um dia de alimentação com o sobrinho, também vegano, que foi acostumado a comer alimentos saudáveis desde muito cedo.
Para ilustrar como uma criança, para ser feliz e saudável não precisa de frituras, doces, ultraprocessados ou mesmo carne, leite ou ovos. Notem a naturalidade com a qual ele consome frutas, vegetais, sementes, castanhas e todas as refeições que lhe são servidas. Poderia demonstrar isso através do comportamento alimentar do meu próprio filho, mas evito expor a imagem dele online. Felizmente, temos este vídeo como excelente exemplo sobre o que pode – e deve – ser a alimentação infantil.
Créditos: Vídeo: Miles Kasiri / Imagens: Kate Baucherel, kgberlin, Free-Photos, tookapic, Aline Ponce, Jan Vašek from Pixabay, Designed by Freepik