Aqui, uma balinha pra você…
Tadinho, vai passar vontade…
Perdi a conta das vezes em que alguém diretamente me disse isso ou expressou desaprovação, na forma de expressões faciais ou comentários passivo-agressivos, por eu categoricamente restringir o consumo do meu filho de alguns alimentos específicos. Estamos falando de frituras, balas e doces, ultraprocessados (salgadinhos, sorvetes industrializados, nuggets), embutidos (hot dogs, principalmente), refrigerantes.
A expressão é legítima: vem de uma percepção de que, estando inseridos em um contexto em que a maioria das crianças comem (e bebem) essas coisas e que nossas próprias memórias gostosas de infância incluem parques de diversão com algodão doce, festas juninas com pé de moleque, bolo com sorvete e coca cola na casa da avó, festas com brigadeiros e bolos decorados, pode parecer um pouco injusto tirar essas experiências da infância dos nossos filhos. (Na verdade não é exatamente tirar, mas já chego lá).
Mas será que é mesmo injusto?
Porque há um outro lado dessa questão. A infância é lugar de construção de memórias, sim – mas também de construção de desenvolvimento físico, motor, cognitivo e intelectual, de hábitos e dos alicerces de saúde que nos predispõem a uma vida adulta com maior ou menor qualidade de vida, ausência ou presença de doenças crônicas, degenerativas e auto imunes e distúrbios diversos, incluindo os neurológicos e mentais. Será que é justo, então, expor a criança a alimentos (hoje sabidamente) nocivos só porque culturalmente associamos a experiência da infância, em parte, a eles?
Sou de opinião categórica que não. E esta é a resposta mais simples e objetiva que posso dar, mas vou embasá-la melhor.
A diabetes tipo 2, antes considerada uma doença da idade adulta, começou nas últimas décadas a aparecer em crianças e o aumento da sua prevalência já nos sinaliza certo alarme. O desenvolvimento da resistência à insulina está diretamente associada ao consumo regular de carboidratos simples (açúcar, farinhas brancas, refinados) e excesso de gordura saturada – ainda que na ausência de obesidade, embora este seja também um problema crescente e marcador comum nos casos da doença. Fatores genéticos também são importantes, mas a ausência deles não garante que a doença não se desenvolva.
Estes casos aumentam também consideravelmente os riscos de doenças cárdio vasculares, em percentuais superiores ao tabagismo.
Só o risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2 e início de problemas cardíacos na infância já seriam sufuicientes para que pensássemos seriamente se a essa fase de vida realmente precisa de nuggets, balas e hot dogs. Mas o problema não pára por aí.
O corpo e o cérebro da criança precisam de combustível de qualidade para se desenvolver adequadamente. O açúcar refinado é uma fonte de energia praticamente imediata – bem como os carboidratos brancos que, pouco depois da ingestão, se transformam em glicose. Ao receber esta fonte de energia, o corpo pede mais dela. Depois de novo. E de novo. Criando um vício por açúcar, já amplamente estudado. E isso seria ótimo, se estivéssemos falando de uma fonte de energia de baixo índice glicêmico, acompanhada de fibras, outras vitaminas e minerais. Mas o açúcar não atende a nenhum destes critérios. São calorias vazias que, embora forneçam energia, desencadeiam alta produção de insulina para normalizar a glicose no sangue. A repetição constante dessa sobrecarga sobre o pâncreas causa o que é conhecido como resistência à insulina e aí a criança está a um passo de uma diabetes tipo 2 estabelecida. Para complicar ainda mais a questão, muitas vezes estes casos são assintomáticos até que seja tarde demais. A doença pode passar despercebida pela infância e, sem diagnóstico e tratamento, se agrava.
Frituras e salgadinhos, bem como comidas de restaurantes estilo fast food, em geral são produzidas em gordura hidrogenada ou parcialmente hidrogenada. Essa é uma gordura saturada produzida artificialmente (em outras palavras, é uma gordura trans), que se conserva sem necessidade de refrigeração e, portanto, é muito prática e barata para a indústria. No entanto, elas gradativamente causam entupimentos de artérias e, ainda mais problemático: em células cerebrais, ligam-se aos espaços destinados ao Ômega 3, por exemplo, comprometendo a passagem de neurotransmissores, inclusive os reguladores de humor e energia. As gorduras hidrogenadas são também encontradas em boa parte de produtos industrializados e ultraprocessados, como bolachas recheadas, por exemplo. Em bolos decorados, essas gorduras são associadas ao açúcar, criando uma combinação altamente nociva à saúde.
Além disso, quando destinamos parte das calorias diárias da criança a alimentos com este tipo de perfil, criam-se 2 problemas:
- ocupamos um espaço importante que deveria ser destinado à ingestão das necessidades diárias de vitaminas, minerais e fibras – que acabam ficando deficitárias e…
- começamos a criar resistência à ingestão de alimentos mais saudáveis, cujo sabor não se compara aos atrativos doces, frituras e alimentos com altas quantidades de sódio e glutamato monosódico (realçador de sabor), que nos é tóxico. Isso compromete o paladar da criança e a predispõe a hábitos alimentares nocivos, que carregam para a vida adulta, criando outros problemas adicionais de saúde.
Assim, me parece uma tentativa de tapar o sol com a peneira tentar justificar essas escolhas através do paradigma de construção de memórias e da falácia da “vontade”. Até porque, memórias igualmente divertidas e gostosas podem ser construídas através de alternativas mais saudáveis desses mesmos alimentos. Não precisamos “tirar” nada delas – mas sim, criar substituições em formatos mais adequados, que permitam o exercício sócio cultural, sem cobrar um preço que – aí sim – não é justo que se cobre através da saúde de uma criança ou do adulto no qual ela se transforma.
Vontade vs. Curiosidade
Se não fornecermos às crianças estes alimentos culturalmente típicos da infância, ela passa vontade? Respondo essa pergunta com outra: Você tem vontade de algo que não sabe que existe? Claro, talvez você sinta vontade de conhecer a Inglaterra, mas se não soubesse que ela existe, a vontade existiria? Claro que não, você nem pensaria nisso.
Por outro lado, você sente vontade de comer doces (ou sua comida preferida)? Neste caso sim. Existe uma memória gustativa armazenada no cérebro, que é reforçada toda vez que o alimento é ingerido novamente, criando associações entre sentimentos de bem estar e aquele prato específico. Se, por algum motivo, você sofre privação deste alimento, pode experimentar sensações de vontade.
A criança que, desde bebê, recebe uma alimentação mais natural, sem frituras, sem açúcar refinado, sem embutidos, sem refrigerantes, sem ultraprocessados, também desenvolve um paladar para o que é oferecido a ela. Quando chega, por exemplo, em uma festa infantil e a oferta desses alimentos com a qual não está acostumada aparece, o que essa criança sente tem outro nome: curiosidade.
A nossa percepção sobre “vontade” parte de pressupostos do nosso próprio paladar. Um suco natural sem açúcar pode parecer azedo ao paladar acostumado ao açúcar – e aí, oferecemos ao bebê ou criança algo com base no nosso próprio referencial de paladar. Mas nenhum bebê nasce querendo ou pedindo (ou com “vontade” de) açúcar, fritura, refrigerante. Essa é uma construção cultural nossa, que nada tem a ver com as vontades intrínsecas do paladar humano.
Se ao 1 ano de idade do bebê saímos da etapa de muitas das restrições alimentares recomendadas (outras aos 2), isso não significa que qualquer coisa que se dê a ele seja benéfica. Muitas famílias olham para isso como uma carta branca para ausência de critério alimentar, mas isso é bastante problemático. Tenho vontade de chorar quando vejo um bebê tomando uma mamadeira de coca cola – e vejo muitos! Por que dar isso a uma criança? Será que o critério não deveria ser “isso é ou não saudável”, ao invés de “isso é ou não gostoso para mim”? Será que não há uma infinidade de outras opções que são ao mesmo tempo gostosos e saudáveis, para acharmos que para dar algo gostoso para a criança precisamos expô-la a alimentos problemáticos? Vamos extrapolar para um exemplo absurdo, mas ainda assim ilustrativo: a pessoa que acha caipirinha de pinga gostosa, vai dar isso a uma criança? Percebam que o critério tem que ser outro…
Notem como a frase “tadinho, vai passar vontade” não tem nenhum embasamento lógico, quando entendemos que paladar é uma construção – e que o nosso referencial é diferente do referencial do bebê, antes de entrar em contato com o que NOS parece gostoso. Ele só passa a ter vontades, a partir do momento em que qualquer alimento é oferecido a ele – seja um brócolis que ele gostou, ou um bolo de chocolate. Até lá, no máximo ele pode expressar curiosidade. E ela pode ser atendida através de experimentação ou explicações. Quando optamos pela experimentação toda vez que algo assim acontece, criamos um hábito que justifica comer qualquer porcaria. E que mensagens passamos à criança com isso? A de que exercício de discernimento sobre o que ingerimos é irrelevante e de que respeitar o próprio corpo e a própria saúde é secundário às nossas percepções de paladar.
Como eu lido com a curiosidade:
Até os 3 anos de idade do meu filho (idade em que o paladar já está bem formado) a alimentação dele foi bastante regrada.
Nunca ofereci, nem deixei consumir:
- refrigerantes
- sucos industrializados
- frituras
- salgadinhos
- embutidos: salsichas, linguiças ou frios
- carnes processadas
- doces com açúcar refinado, incluindo balas ou chocolates
- ultraprocessados em geral
- fast food
- sorvetes industrializados
- industrializados com ingredientes artificiais (incluindo gelatinas)
Durante este período, foi necessário jogo de cintura para driblar as situações em que outras pessoas tentavam oferecer essas opções a ele, mas nos ambientes de maior convívio, em geral isso foi respeitado. Aos 2 anos, ele próprio já recusava balas e pirulitos, dizendo “eu não como açúcar, isso faz mal”, reproduzindo a minha fala quando dizia algo como “agradeço, mas evito dar doces a ele”. Nunca foi um problema e ele nunca demonstrou interesse em pegar os doces.
Ao invés disso, ele comeu:
- frutas
- verduras
- legumes
- carboidratos integrais (batata doce, pães integrais, etc)
- cereais
- grãos
- sementes
- leguminosas
- carnes magras e ovos em pequena quantidade (ainda não éramos veganos)
- alimentos minimamente processados ou industrializados feitos com ingredientes naturais
Todos consumidos individualmente, ou combinados em receitas.
Importante dizer que pesquisa e criatividade fazem parte deste processo. Ele tomou sorvetes (nicecreams, de fruta congelada batida, que ficam muito parecidos com sorvetes comuns). Batata “frita”, sempre feita no forno ou air fryer. Pratos doces, feitos com critério e ingredientes naturais. E assim por diante.
Mesmo ainda pequeno, sempre tive com ele uma postura de ensinar o reconhecimento do valor dessas escolhas – de forma lúdica, logicamente. “Filho, isso a gente não come porque faz mal para o nosso corpo e quero que você coma o que te faz bem e te ajuda a crescer forte e saudável”.
Conforme a idade aumentava, alguns questionamentos sobre o que ele via outras crianças comerem apareceram. Em formato de curiosidade:
“Mamãe, batata frita faz mal?”
“Frita no óleo faz sim, filho, mas a batata é um alimento bom. É só a gente fazer de um outro jeito.”
Tudo isso requer algumas habilidades:
- conhecimento sobre os efeitos de cada alimento no corpo,
- capacidade de lidar com situações sociais e familiares com práticas alimentares e filosofias diferentes (ou, às vezes, opostas) às suas,
- convicção sobre os alicerces que motivam sua ideologia,
- capacidade de exercer essa convicção, seja no contexto interno ou externo.
- resiliência para manter consistência no dia a dia
- jogo de cintura e passar confiança ao dar explicações à criança quando as perguntas aparecem
De todas essas habilidades, penso que a mais importante seja convicção sobre os alicerces da sua ideologia. Sem isso, nada se sustenta. É essa convicção que te mantém motivada a investir tempo, energia e criatividade em boas refeições ao invés de recorrer à praticidade dos industrializados; que não faz cambalear sua resiliência quando as pressões e questionamentos externos aparecem, que te mantém em processo contínuo de aprendizado sobre o assuto e que te permite embasar sua escolha com a criança de forma clara.
Nos primeiros 3 anos, essas foram as habilidades que desenvolvi e que melhor me serviram para permanecer firme no objetivo de construção dos melhores hábitos alimentares que me foi possível oferecer a ele.
As festas infantis começaram a realmente aparecer com frequência regular quando ele estava por volta dos três anos e meio. Na primeira delas, a mesa de bolo e doces estava espetatular. Toda personalizada com o tema da festa, doces em formatos atrativos e divertidos. A reação do meu filho foi… de curiosidade.
Essa é a hora em que toda a construção de paladar feita nos primeiros anos é colocada à prova. Ali, era já o momento de começar a desenvolver a automonia de escolha.
“Mamãe, posso experimentar?” – perguntou, já ciente de que aquele não era o tipo de comida que fazia parte da nossa alimentação e que provavelmente só comeria ali.
“Pode sim. Qual você quer?”
Ele escolheu um bolo no palito, com cobertura de chocolate. Observei atenta a reação. Na primeira mordida, a expressão dele deu a impressão de que aquilo espumava dentro da boca. Ele cuspiu.
“Não gostei, mamãe. Toma…”. – e me deu o bolo de palito de volta.
O que aconteceu aí? Não existia memória gustativa para um doce carregado de açúcar refinado, a gordura hidrogenada da cobertura de chocolate – e, naquele momento, nem do chocolate em si.
Ele não teve vontade, portanto. Ele teve curiosidade. Daquele ponto pra frente, ele próprio começou a desenvolver seus critérios de escolha e não consigo pensar em uma festa sequer na qual ele não tenha se divertido, ao mesmo tempo em que não se interessou pela comida.
Critérios:
Exemplos como este acima se repetem até hoje. Dificilmente ele expressa curiosidade ou interesse em comer algo fora da nossa rotina alimentar. Quando acontece, hoje meus critérios são um pouco mais flexíveis porque confio na construção do paladar desenvolvido e sei que ele pode comer uma ou outra coisa esporádica, que fuja aos padrões ideais, sem que isso comprometa a continuidade do exercício de hábitos alimentares saudáveis.
Em geral isso se aplica a situações isoladas, principalmente no ambiente da escola, onde todos os colegas comemoram aniversários juntos ou em lanches coletivos. Mas mesmo durante essas flexibilizações, ele próprio já utiliza critério e tende a recusar alimentos problemáticos por opção própria.
Dito isso, existem algumas exceções inegociáveis (embora o interesse nunca tenha surgido). É o caso de frituras, refrigerantes e embutidos, por exemplo, que podem facilmente passar de experimentação para obstáculos às suas versões saudáveis (e carnes não comemos, porque seguimos dieta vegana). Não há valor de experimentação nisso.
No geral, hoje o paladar dele está essencialmente formado e solidificado na preferência por alimentos saudáveis. Continuar exercendo critérios com as exceções abertas se deve à nossa experiência com ovos de páscoa, quando ele estava com 4 anos. Ela deixou claro que ainda tínhamos um caminho a ser percorrida até a compreensão do conceito de “moderação”.
Pode rir… Se você, lendo isso, me conhece pessoalmente, deve ter caído de onde estava sentado, gargalhando… Foi poucos meses antes da nossa migração para o veganismo e o coelho trouxe um Kinder Ovo tamanho Páscoa. Que durou aproximadamente 8 minutos. Precisei rever meus critérios de exceções e começar a explicar conceitos de auto controle – que é um processo bem mais complexo, mas precisa começar de algum lugar.
E o ensinamento de todos estes conceitos, do mais simples aos mais complexos, acaba sendo o fundamento por detrás dessa estratégia de formação de paladar. Porque a vida nos traz momentos diferentes, demandas diferentes, pessoas e ambientes diferentes. Não existe etapa mais propícia à construção de hábitos e valores do que nos primeiros anos após o nascimento de um bebê. O mundo irá lhes apresentar escolhas. Nós precisamos lhes ensinar sabedoria – através de escalas de valores e prioridades, de desenvolvimento de pensamento crítico, de respeito e amor próprio, das relações entre ações e consequências. Notem que uma questão alimentar envolve um espectro muito maior de formação e desenvolvimento individual, que não pode ser negligenciado por comodismo, por herança cultural ou por falácias como “tudo em moderação”. A linha entre “moderação” e estilo de vida prejudicial ao desenvolvimento infantil é bastante tênue.
Fórmula de sucesso:
O que funcionou para nós, o que este processo envolve e como eu lido (e lidei) com ele:
- costrução de paladar sem exceções até os 3 anos de idade
- critérios claros para exceções depois disso, desde que representem valor nutricional e não a experimentação por pura experimentação
- construção de consciência alimentar, explicando por que nosso estilo alimentar é diferente da maioria – e dos potenciais problemas com dietas menos saudáveis.
- dou o exemplo: eu como as mesmas coisas que ofereço a ele. Não há distinção. Minhas próprias exceções também são criteriosas.
- desenvolvimento de autonomia de decisão com base em informações claras: peço para ele observar como se sente depois de comer uma salada, em comparação com um chocolate. Para observar o funcionamento do intestino, a capacidade de foco, o humor, etc. Não utilizando essas palavras específicas, mas o ajudando a criar consciência corporal sobre como cada alimento afeta o estado geral dele. Porque hoje eu tomo decisões alimentares por ele, mas um dia ele terá que fazer isso por si próprio e quero que ele tenha embasamento para fazer boas escolhas autônomas.
- aprendi a criar versões saudáveis de praticamente todos esses “alimentos” típicos da infância, para que ele possa ter vivências associadas aos sabores e interações típicos desta fase de vida e socializar sem comprometer a qualidade da saúde.
- Persistência, resiliência, convicção, jogo de cintura, pesquisa, aprendizado. Estar disposta a colocar a prioridade em prática.
Nossos resultados:
- com exceção do desastre do chocolate (que agora ele adora, mas come esporadicamente e já com mais capacidade de moderação) agora aos 6 (quase 7) anos, ele já demonstra bastante autonomia de decisão, mesmo quando não estou presente (festas da escola, por exemplo).
- Pede saladas quase diariamente (e come com o mesmo entusiasmo do Kinder Ovo), se empolga com os pratos enormes de vegetais cozidos no vapor e servidos com homus, pede água com limão várias vezes por dia (sem açúcar). Dá gosto de observá-lo comendo, sabendo que tudo o que está ingerindo nutre o corpo e otimiza o desenvolvimento.
- Não demonstra muito interesse em alimentos que não foi acostumado a comer.
- Quando tem a oportunidade de comer algo fora da nossa rotina, em geral ou recusa, ou come em porções muito pequenas.
- conforme adquire conhecimento sobre os alimentos, comenta comigo sobre o que observa outras crianças comerem. Começa, até mesmo, a expressar interesse em educar colegas sobre alimentação saudável.
- a imunidade dele parece ser fortíssima. Muito raramente fica doente – na verdade, não fica. Durante um curto período em que comeu alimentos de origem animal, teve 2 resfriados. Com a alimentação vegana, simplesmente não lidamos com isso. Nunca teve uma dor de ouvido, inflamação de garganta teve uma vez em quase 7 anos (também no período de alimentos de origem animal). Febres, não me lembro nem da última – no primeiro ano de vida, teve uma única febre e só teve outra já perto dos 4 anos. Vômito aconteceu uma única vez em decorrência de medicação antibiótica (concomitante com a inflamação de garganta), diarréia quando a escola deu a ele um mini hot dog em uma festinha da sala. Não tem nenhum tipo de problema respiratório, como asma e bronquite, nem rinites. Saúde perfeita, IMC normal, peso e altura normais para a idade, sem excesso de gordura corporal.
- nas reuniões individuais com todas as professoras até o momento, recebo feedback de avaliação de desenvolvimento acima da média em todos os marcadores – motor, cognitivo, intelectual, etc. A capacidade de foco é sempre destacada, juntamente com velocidade de aprendizado, comumente criando situações em que professoras precisam eleger materiais adicionais mais avançados para não haver subaproveitamento de potencial. Isso não é só resultado de alimentação, mas ela tem papel importante.
- desenvolveu consciência sobre os efeitos dos alimentos sobre o corpo e começa a internalizar a idéia de que exercer sabedoria na escolha do que consumimos é uma questão de auto respeito e auto cuidado.
- já em idade de maior compreensão de contextos, entende como nossas escolhas alimentares afetam o meio ambiente, a saúde do corpo e os animais. Desenvolve suas próprias falas e esboça proatividade, no formato dele, quando explica aos amigos por que não come determinados alimentos. Em outras palavras, através de hábitos alimentares, desenvolvemos também consciência ambiental e coletiva, conceitos de responsabilidade social e empatia. Todas lições importantes na formação de um adulto que se coloca diante do mundo com postura ética.
Para finalizar…
Levar a sério a construção de paladar e hábitos alimentares infantis é um investimento para a vida da criança. Precisamos rever essa fala que diz “tadinho, vai passar vontade” e pensar um pouco além das convenções sócio culturais para poder transformá-la em “tadinho, vai ficar predisposto a problemas de saúde”, quando assumimos que moderação seja sinônimo de comer frituras duas vezes na semana, ou de insistirmos em 30 festas de aniversário por ano com coxinhas gordurosas, sacolinhas de balas e barras de açúcar que chamamos de bolos, ou jantar macarrão com salsicha na segunda, nuggets na quarta e comer pizza na sexta. Isso não é moderação – é estilo de vida.
Cada vez que abrimos estas “exceções” regulares, criamos um desequilíbrio no corpo através de processos inflamatórios e interferências metabólicas, dos quais o corpo precisa de vários dias para se recuperar. Se, na sequência, acontece outra “exceção”, antes da recuperação completa, começamos a criar ambientes propícios para quadros crônicos de saúde, que só vão aparecer mais para frente. No curto prazo, comprometemos a otimização do desenvolvimento infantil, criamos problemas de oscilações de humor, picos de energia seguidos de fadiga e irritação, potenciais problemas neurológicos.
Tudo se resume a uma questão de definição de prioridades. As escolhas são as seguintes:
- praticidade ou saúde
- resignação a convenções sociais ou coragem para investir anos em qualidade alimentar
- memórias de infância com ou sem saúde na idade adulta
No cerne da minha defesa pela quebra de paradigmas alimentares está a percepção de que nossas crianças merecem que a nossa definição de prioridades se baseiem na relevância do seu desenvolvimento e manutenção de saúde.
A infância é momento de construção. Quando a construção de memórias pressupõe destruição de saúde, há algo errado com essa equação. Memórias são formadas de momentos de conexão humana, que se dão através de vários veículos, incluindo a comida, que pode ser saudável e gostosa. Vontades são criadas por exposição, não por percepção do que o adulto tem vontade de comer.
Cuidem com carinho da alimentação das crianças. Elas merecem mais do que comer porcarias com base em “tadinho, vai passar vontade”. Elas merecem “não vou te dar o que te faz mal, vou te dar o melhor que me é possível para que você possa usufruir de saúde, qualidade de vida e ir atrás dos seus sonhos sem interferências de doenças que possam limitar suas escolhas”.
Se você concorda, mas tem um filho que já está acostumado com uma alimentação que não é ideal e recusa as opções saudáveis que você tenta oferecer, não deixe de ler este texto, onde dou dicas interessantes para ajudar com a tarefa de readaptação de paladar.
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